Além de todo o prejuízo que é gerado para a saúde do próprio acumulador, seus vizinhos também acabam se colocando em perigo.
Algumas pessoas possuem o hábito de acumular objetos, coisas e até lixo em suas próprias residências. O problema é quando essa moradia está localizada dentro de um condomínio e o acúmulo de tais objetos, papéis, resíduos e outros – chega a ser tão excessivo, que passa a ser prejudicial à paz, sossego e salubridade dos demais moradores.
Às vezes, a quantidade de entulho e papel é tanta, que o mau cheiro, baratas e ratos se propagam para as unidades vizinhas. Assim, além de todo o prejuízo que é gerado para a saúde do próprio acumulador, seus vizinhos também acabam se colocando em perigo.
Como lidar com a situação?
Nos casos em que a acumulação acontece dentro de um condomínio, a advogada Mychelli Barros, especialista em direito condominial, explica que a administração precisa interferir quando há qualquer tipo de dano aos outros moradores. “A acumulação em si não é crime, mas se a prática gerar dano aos outros moradores, a administração deve tomar providências, notificar o acumulador e multá-lo se não houver resposta. Se nada disso resolver, as vias judiciais são recomendadas, com a comprovação da insalubridade e do transtorno causado”, esclarece.
Primeiramente, para que o síndico adote medidas administrativas e até jurídicas, será preciso provar que o morador está usando indevidamente a unidade residencial. Diante disso, é muito importante que exista o registro de reclamações dos demais condôminos, para que se comprove que tal comportamento está prejudicando de fato o coletivo e o ambiente onde todos vivem.
Listamos abaixo algumas medidas que podem ajudar o síndico diante desse tipo de situação:
Notificar o condômino/morador acumulador para que efetue a limpeza e higienização de sua unidade particular;
Se este não fizer, o síndico poderá tratar o assunto em assembleia para definir uma multa a ser aplicada ao condômino até que acate a solicitação;
Em paralelo, ele poderá denunciar à Vigilância Sanitária de sua região, que deverá visitar o imóvel para analisar o acúmulo de resíduos e ordenar a limpeza sob pena de multa;
Se a situação não for resultado, mas após os caminhos acima mencionados, o condomínio poderá entrar com uma ação judicial contra o morador.
Em paralelo às medidas adotadas pelo condomínio, o vizinho que estiver muito incomodado e possuir provas dessa situação, poderá individualmente (como pessoa física), buscar meios administrativos e jurídicos perante o morador acumulador. Vale lembrar que, para a adoção de tais medidas, o condomínio – pessoa jurídica e/ou o condômino/vizinho incomodado – precisam se munir de provas de que a ação acumuladora do outro condômino está afetando a salubridade de todos.
Acumular lixos, resíduos ou quaisquer outros pertences que impeçam a promoção diária de procedimentos de higiene pode caracterizar risco iminente à saúde pública, pois o acúmulo de lixo traz inúmeros riscos.
Importante também frisar que, além das medidas já mencionadas, uma que é mais importante e que, com certeza, deve ser a primeira a se efetivar – é tentar mediar a situação com familiares do condômino acumulador e/ou com o próprio acumulador. Isso porque acredita-se que, diante desta situação extrema de acúmulo de lixos e pertences dentro de sua própria casa, esta pessoa provavelmente poderá precisar de cuidados.
Mas como se caracteriza esse transtorno compulsivo?
O impulso sem controle de acumular objetos pode acabar evoluindo para uma questão ambiental e de saúde pública. Entre janeiro e dezembro de 2022, segundo dados da Secretaria Municipal de Governo e Integridade Pública (SEGOVI) do Rio de Janeiro, o serviço 1076 da prefeitura registrou 308 chamados sobre acumuladores em residências. É o equivalente a quase uma demanda por dia, em média. Desses, 290 foram finalizados. Porém, o número de denúncias não corresponde exatamente ao número de ocorrências, já que a mesma situação, num mesmo imóvel, pode originar mais de um pedido de atendimento.
O transtorno de acumulação é uma condição que se caracteriza pela dificuldade de descartar ou se desfazer de pertences, não importa o seu valor. Televisões que não funcionam, liquidificadores queimados, brinquedos quebrados, roupas que não cabem mais, panelas: qualquer objeto tem uma desculpa para ser guardado.
A psiquiatra Ana Berliner explica que pessoas com essa condição juntam excessivamente bens e objetos de forma desorganizada e mostram incapacidade ou angústia em descartá-los, por acreditarem que um dia irão precisar daqueles objetos. Além disso, costumam desvirtuar um espaço da casa para ocupá-lo com os itens guardados, o que torna os ambientes domésticos “intransitáveis e insalubres”
“Apesar de ter vergonha e constrangimento, o acumulador não está preocupado necessariamente com a organização. Normalmente essas pessoas demonstram algum tipo de sofrimento e não conseguem controlar o impulso de guardar objetos, o que impacta gravemente a sua vida pessoal, profissional e sua saúde”, explica a psiquiatra.
Ana diz que mais de 80% dos acumuladores têm histórico familiar de pessoas com transtornos semelhantes. Além da influência genética, há questões emocionais negativas, como privações e perdas desde a infância. Não há uma causa única para a doença. Há o fator genético, mas a interferência externa também conta. “O transtorno de acumulação pode ser desencadeado por diversos motivos, inclusive um trauma, como a morte de um ente querido ou pode começar lentamente e ir se agravando ao longo do tempo”, afirma.
Muitas dessas pessoas podem ter crescido em famílias acumuladoras, sem muita noção de higiene e limpeza. Pessoas que não sabem como é dormir na cama limpa, com a casa arrumada. Então é preciso ter muita empatia. “Eu atendo pessoas que nunca experimentaram a sensação de bem-estar que a limpeza traz”, finaliza a psiquiatra.
Por:
Juliana Marques
Revista Sindico