Neste artigo, exploramos se qualquer condômino tem o direito de solicitar a prestação de contas, à luz da legislação vigente e da jurisprudência.
A questão sobre o direito de condôminos solicitarem prestações de contas ao síndico pode parecer simples, mas é repleta de nuances legais e contradições. Afinal, qualquer condômino tem o direito de exigir a prestação de contas? E o que acontece se o síndico se recusar a fornecer essas informações?
O direito de acesso dos condôminos
A Lei nº 10.406/2002 (Código Civil) é clara ao estabelecer que o síndico deve prestar contas anualmente à assembleia geral e sempre que exigido pela convenção do condomínio ou pelos condôminos. De acordo com o artigo 1.348, inciso VIII, do Código Civil, uma das obrigações do síndico é:
“Prestar contas à assembleia, anualmente e quando exigido.”
Mas o que isso significa para um condômino individual? Esse é o ponto que gera controvérsias. A princípio, a prestação de contas é feita para a assembleia, que representa a vontade coletiva dos condôminos. “No entanto, isso não significa que um condômino isolado esteja desprovido de direitos sobre o acesso às informações financeiras do condomínio. Ele tem, sim, o direito de acessar documentos e livros contábeis para entender como os recursos estão sendo administrados.”, destaca o advogado especializado em direito condominial, Dr. Issei Yuki.
O direito de acesso a documentos e informações
O condômino individual não pode ser privado de informações que envolvam a gestão e o uso das verbas do condomínio. Isso é garantido pelo princípio da transparência e pela responsabilidade fiduciária que o síndico possui perante os condôminos.
Em termos práticos, qualquer condômino pode solicitar acesso aos livros contábeis, balancetes, recibos, notas fiscais e contratos mantidos pelo síndico para entender a gestão das finanças. Esse direito visa garantir que o condômino possa verificar se os recursos estão sendo empregados corretamente e de forma a atender aos interesses da coletividade.
O condômino pode exigir a prestação de contas judicialmente?
Aqui é onde surgem as principais dúvidas e mal-entendidos. Apesar do condômino ter direito de acesso às informações, a jurisprudência brasileira tem entendido que o pedido de prestação de contas judicial deve ser feito pela assembleia geral e não por um condômino isolado. Isso ocorre porque a prestação de contas é um ato que diz respeito a todos os condôminos e não apenas a um indivíduo.
Segundo o entendimento de diversos tribunais, um condômino individual não possui legitimidade ativa para entrar com uma ação judicial de prestação de contas, a menos que tenha autorização expressa da assembleia para representar o interesse coletivo. Isso ocorre porque a prestação de contas envolve a análise e o julgamento de atos que afetam a comunidade como um todo.
Por exemplo, em decisão recente, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) afirmou que:
“O pedido de prestação de contas do síndico deve ser feito pela coletividade dos condôminos, representada pela assembleia geral, e não por condôminos isolados, salvo em casos de comprovada má gestão ou omissão do dever de transparência.”
Isso não quer dizer, entretanto, que um condômino não possa buscar meios de obter as informações necessárias. Ele pode, sim, solicitar diretamente ao síndico ou ao conselho fiscal a apresentação de documentos e, caso haja recusa injustificada, levar o assunto para a assembleia, onde a maioria pode decidir pela necessidade de prestação de contas formal.
O que diz a lei
A legislação brasileira prevê mecanismos para garantir a transparência na administração condominial:
Código Civil (Art. 1.348, VIII): Estabelece a obrigação do síndico de prestar contas.
Código de Processo Civil (CPC) – Artigo 550: Dispõe sobre o procedimento específico para ações de prestação de contas, aplicável em casos onde se pretende compelir um administrador a fornecer informações detalhadas sobre sua gestão.
Embora o Código Civil estabeleça a obrigação de prestar contas, ele não especifica que um condômino isolado tenha legitimidade para exigir isso por meio de ação judicial. Assim, a regra geral é que a assembleia deve decidir pela propositura de uma ação judicial de prestação de contas em nome da coletividade.
Qual é o caminho para o condômino?
Se um condômino individual desconfia da gestão financeira do síndico, ele deve seguir alguns passos antes de partir para uma medida judicial:
Solicitar as informações diretamente ao síndico: Esse é o primeiro passo. Um pedido formal e educado ao síndico deve ser feito, indicando quais documentos deseja acessar.
Levar o caso ao conselho fiscal: Se houver recusa por parte do síndico, o condômino pode solicitar ao conselho fiscal que intervenha e solicite a prestação de contas.
Convocar uma assembleia: Se o problema persistir, o condômino pode tentar convocar uma assembleia extraordinária com a assinatura de ao menos 25% dos condôminos para discutir a transparência das finanças e, eventualmente, aprovar uma ação judicial para exigir a prestação de contas formal.
Ação judicial individual (em casos específicos): Apenas em casos excepcionais, como quando há indícios claros de fraude ou má gestão que afetam diretamente um condômino, ele pode buscar a prestação de contas de forma individual. Nesses casos, é essencial contar com a orientação de um advogado especializado.
“Para evitar desgastes e mal-entendidos, o ideal é que síndicos mantenham uma gestão transparente e aberta, disponibilizando regularmente relatórios e informações financeiras a todos os moradores. Um ambiente condominial harmonioso depende de comunicação clara e do respeito às normas estabelecidas. Quando a transparência é colocada em prática, o risco de conflitos e desentendimentos é minimizado, promovendo uma convivência mais saudável para todos.”. Conclui o advogado Issei Yuki.
Por: Issei Yuki Júnior:
Yuki, Lourenço Sociedade de Advogados
Graduado em Direito pela Universidade São Francisco com especialização em Direito de Família e Sucessões, e mais de 25 anos de experiência como advogado nas áreas de Direito Civil e Processual Civil, Família e Sucessões, Direito Condominial, Direito do Consumidor e Consultoria empresarial e societária.