SEGUROS CONTEMPORÂNEOS
O contrato de “seguro-condomínio” revela-se tema, sem dúvidas, caro à administração do condomínio edilício. Afinal, segundo o Código Civil, é obrigatório o seguro contra o risco de incêndio responsável por causar a destruição, total ou parcialmente, do prédio (artigo 1346, CC).
- ns comuns, depois para reparação do proprietário individual.
No entanto, fora dessas hipóteses, permite-se, também, a indenização aos danos à propriedade individual, conforme já se antecipou de forma breve. Mais do que isso, empregar o capital segurado desta maneira revela-se verdadeiro dever imputável aos administradores do condomínio, afirmativa que se justifica no conceito de causa do contrato entendida como função prático-econômica do negócio [5].
Assim, primeiro, há de se apontar a qualificação do seguro-condomínio dentro de um dos tipos contratuais expressamente previstos no Código Civil, a saber: o seguro de danos (artigos 778 a 788, CC). Tendo em vista o entendimento de que a função prático econômica deste contrato típico é a proteção da coisa ou bem segurado contra riscos hábeis a destruir ou diminuir sua utilidade [6], o negócio específico ora estudado servirá, certamente, para essa finalidade.
Logo, deixa de haver dúvida. Se o bem segurado é a totalidade das instalações do condomínio e o perfil funcional do contrato mencionado vincula-se à tutela dos danos que atingiram o objeto do seguro, isto significa a reparação de danos as áreas comuns e particulares. Tal conclusão se extrai por meio do cotejo entre a causa do tipo negocial ora debatido com o supracitado conceito de condomínio edilício cuja lei prevê no artigo 1331, CC.
É este, aliás, o grande traço distintivo do tipo negocial em discussão. O mero recebimento da indenização securitária por um sujeito individual não revela desvio de finalidade pelo simples motivo de o prêmio do seguro ser pago por meio dos recursos da coletividade de condôminos. À luz de distinto viés, complementa a resposta dogmática acima desenvolvida o fato de que o negócio securitário se considera contrato aleatório [7] — ou seja, marcado pela incerteza a respeito de quem se beneficiará do capital segurado.
Aumento de cobertura
Quanto ao seguro condomínio, tal estado de coisas se projeta não só entre segurador e segurado, mas também entre os beneficiários (condôminos). É dizer que, mediante deliberação coletiva, cada condômino prefere pagar o seguro, mesmo que o beneficiário da indenização não seja ele, mas sim outra pessoa, lesada pelo sinistro, ao invés de sujeitar-se à possibilidade de sofrer um dano e arcar sozinho, em única parcela, com pesado montante.
Assim, se todos os condôminos se encontram submetidos à aleatoriedade, tornando-se potenciais beneficiários da indenização securitária, ou abstratamente elegíveis para receber o capital segurado, atende-se, de certo modo, os interesses de um grupo que almeja, também, a tutela dos seus direitos individuais. Com efeito, será esse o raciocínio que deve guiar a assembleia ao contratar o aumento de cobertura do seguro-condomínio.
Desta forma, a partir do arcabouço jurídico exposto revela-se devida a destinação do capital segurado ao condômino cuja unidade autônoma foi a única parte do condomínio edilício danificada pela ocorrência do risco coberto pelo contrato de seguro.
Aliás, este repasse configura-se verdadeiro dever da administração condominial — mera tomadora, ou contratante, do seguro-condomínio, e empregar valores recebidos em favor de um ou diversos terceiros. Conduta diversa ou até mesmo a retenção dessa cifra por parte do condomínio edilício importa em desobedecer a própria função primária — indenizatória de danos a bens segurados — atribuída ao tipo securitário estudado.
Por último, mas não menos importante, ressalte-se que o quadro apresentado a priori comporta algumas modulações a partir de decisões assembleares. De tal modo, por exemplo, os condôminos podem modificar a preferência antes mencionada, estabelecendo a destinação prioritária da indenização advinda do contrato de seguro ao proprietário individual atingido pelos possíveis sinistros previstos na contratação. Embora à primeira vista a escolha suscitada apresente-se como improvável, trata-se de estratégia a se considerar, principalmente em condomínios menores sem área comum expressiva ou dotada de maiores utilidades.
Outras discussões ainda devem surgir na esteira das latentes mudanças climáticas sentidas em solo pátrio e no exterior. Diante da miríade de infortúnios que podem atingir a propriedade coletiva ou particular, sem a participação humana, considere-se, a título ilustrativo, a possibilidade de vedar o recebimento do capital segurado por condômino inadimplente, o qual sofreu com um vendaval ou com chuvas torrenciais. De outro lado, é viável pensar se seria vedada a diminuição do objeto segurado — para, por exemplo, limitá-lo às áreas comuns. O exemplo, apesar de intrigante, foge ao escopo do presente trabalho.
De todo modo, intentou-se, com este texto, chamar atenção a um tema ainda pouco desenvolvido, mas permeado por questões instigantes. Ao mesmo tempo, buscou-se, apresentar orientações práticas e dogmáticas iniciais a quem tenha de lidar com a prática do seguro-condomínio. Encerra-se, portanto, na esperança de auxiliar à construção de respostas úteis à resolução de problemas nesta importante seara socioeconômica do trânsito negocial.
[1] A respeito da tendência de solidarização dos riscos, SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros de reparação à diluição dos danos. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 230/237; 241/246.
[2] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, volume IV: direitos reais, atualizado por Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho. 28ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p. 155/157.
[3] A respeito da citada função da cota condominial, é didática a explicação presente em DANTAS, San Tiago. Programas de direito civil III: direito das coisas, revisão do texto e anotações de José Gomes Bezerra, atualização de Laerson Mauro. Programas de Direito Civil III: Direito das Coisas. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1979. p. 298.
[4] Quanto ao conceito de autonomia privada coletiva, seja permitido remeter à TEPEDINO, Gustavo. Autonomia privada (entre a vontade individual e a coletiva) na convivência condominial. Editorial. Revista Brasileira de Direito Civil. Volume 31, n° 02, 2022.
[5] Em outras palavras, esta seria a causa do contrato de seguro condomínio, adotando-se o entendimento sobre o conceito de causa defendido por KONDER, Carlos Nelson. Causa do contrato x função social do contrato: Estudo comparativo sobre o controle da autonomia negocial. Revista Trimestral de Direito Civil, v. 43, p. 33-75, 2010.
[6] TEPEDINO, Gustavo; KONDER, Carlos Nelson; BANDEIRA, Paula Greco. Contratos. Fundamentos de Direito Civil, volume III. In: TEPEDINO, Gustavo Fundamentos de Direito Civil. Rio de Janeiro: Editora Forense. p. 476.
[7] Embora a classificação não seja livre de controvérsias, seja permitido remeter à BANDEIRA, Paula Greco. Contratos aleatórios no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p. 102/112.
Fonte:
Por:
- Caio Ribeiro Piresé advogado do escritório Bucar Marano advogados e mestre em Direito Civil pela Uerj.
- Rodrigo da Mata