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Vida monótona? Vem trabalhar com condomínios…

O que me encanta na área condominial, hoje como síndica profissional e lá atrás como advogada condominilaista é que nunca passamos um dia sequer de monotonia: todos os dias me deparo com diferentes situações que me exigem muito estudo, gestão emocional e principalmente, o exercício da empatia pela dor do próximo (confesso que algumas vezes dá vontade de pedir alguma empatia pelas minhas dores também).

Confesso que demorei para escolher um caso para contar aqui para vocês, afinal são tantos, alguns engraçados, outros tristes, alguns estressantes, por isso resolvi contar dois para vocês, um como advogada e outro como síndica.

Como advogada, enfrentei certa vez um caso sobre a venda de área comum do condomínio. Sim, dois condôminos de um residencial em Indaiatuba, no interior de São Paulo, ambos proprietários de duas unidades no condomínio, em desrespeito às normas condominiais e à nossa legislação, ocupavam indevidamente uma área comum do condomínio como se fosse uma garagem para estacionar os seus veículos, e claro, achavam isso correto e normal.

Diploma em preparação

Após notificações e contranotificações extrajudiciais da minha parte como advogada, e reuniões para mediar a situação, sem êxito, sugeri à equipe do contencioso o ajuizamento de uma Ação de Obrigação de Fazer com Pedido de Tutela de Urgência. Mas querem a história desde o começo? Vamos lá:

Os proprietários estavam suprimindo área comum do condomínio já há alguns anos e sempre acobertados por gestões passadas, tornando esta área comum em uma vaga particular deles, e assim contrariando o disposto na Lei, na Convenção Condominial e na Instituição de Condomínio, e pasmem, a incorporação registrada em Cartório de Registro de Imóveis identificava 98 vagas autônomas de garagens, e ficava claro que não existia nenhuma vaga nº 99, numeração equivocadamente dada pela incorporadora àquela área comum.

O Condomínio questionou a situação e descobriu que a incorporadora havia firmado com os estes condôminos proprietários (vejam que absurdo!) um “contrato de gaveta” onde criaram um negócio jurídico nulo. Inacreditável não é? Afinal, a incorporadora jamais poderia vender ÁREA COMUM!!!

Houve claramente má-fé na formulação do “negócio” mencionado, já que a incorporadora fez constar em uma das cláusulas, que os “compradores” jamais conseguiriam a “escritura pública” de compra e venda, “por tratar-se de área reaproveitada”…

Reaproveitada? Como assim?

O QUE A INCORPORADORA DENOMINOU “ÁREA REAPROVEITADA”, NA VERDADE, ERA ÁREA COMUM A TODOS OS CONDÔMINOS E JAMAIS PODERIA TER SIDO “VENDIDA”.

O Condomínio, ao tomar conhecimento da situação e da documentação, me pediu para notificar extrajudicialmente os condôminos para que desocupassem a área comum do condomínio, pedido este que é claro, não foi atendido, e por isso a minha sugestão de uma ação judicial como o único meio de tentar restaurar aos condôminos sua área comum, indevidamente “negociada” entre terceiros, que dispuseram sobre bem que não pertencia a nenhum deles. Eu realmente nunca havia passado por situação semelhante até aquele momento, nem como advogada e nem como síndica profissional.

Além de a Convenção daquele condomínio especificar a proibição de usar partes comuns de modo a impedir o uso e gozo por parte dos demais condôminos, a incorporação foi clara na definição da quantidade de vagas de garagens autônomas, no total de somente 98 vagas.

E não bastasse a Convenção Condominial e a instituição de Condomínio, documentos registrados, o Código Civil em seu artigo 1.351, diz que para a alteração de área comum, há a necessidade de aprovação unânime dos condôminos. Relembrando:

“Art. 1.351. Depende da aprovação de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos a alteração da convenção; a mudança da destinação do edifício, ou da unidade imobiliária, depende da aprovação pela unanimidade dos condôminos”.

Notem que, com a supressão da área comum do condomínio ao transformar em vaga de garagem, tal ato acabou por embaraçar as áreas comuns.

O Código Civil, em seu artigo 1.335, II, define os dois requisitos para a utilização, pelos condôminos, das áreas comuns:

Art. 1.335. São direitos do condômino:

(…)

II – usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores;

O uso que foi dado ao local por estes condôminos é vedado também pela lei 4591/64:

Art. 19. Cada condômino tem o direito de usar e fruir, com exclusividade, de sua unidade autônoma, segundo suas conveniências e interêsses, condicionados, umas e outros às normas de boa vizinhança, e poderá usar as partes e coisas comuns de maneira a não causar dano ou incômodo aos demais condôminos ou moradores, nem obstáculo ou embaraço ao bom uso das mesmas partes por todos.

Mas vocês podem perguntar porque sugeri a Tutela de Urgência, certo? Neste caso ela foi sugerida por mim e aceita pela equipe do contencioso pois mesmo após o condomínio demonstrar que a conduta estava em desacordo com as normas aplicáveis, os condôminos persistiram com uma conduta irredutível e beligerante, criaram diversas situações desgastantes para a massa condominial em vários sentidos deixando o condomínio em prejuízo inclusive financeiro com pagamento de advogado, custas processuais entre outros, e já havia portanto a necessidade de rápida intervenção do Judiciário a fim de que a solução do litígio não fosse mais protelada como aqueles condôminos vinham fazendo.

Em resumo: a ação foi ajuizada com o pedido de tutela de urgência que foi acolhido, e foi mantido pelo Tribunal.

Com as provas inequívocas de ilegalidade e má-fé, a justiça foi feita. Concordam?

Mas como eu escrevi lá no começo do texto, eu também sou síndica, e talvez meus casos mais inusitados sejam como gestora e não como advogada, e talvez por isso a gestão anda me encantando cada dia mais e tomando muito mais meu espaço do que o jurídico.

Já como síndica profissional, passei por uma situação que mexeu com a minha emoção de filha com lembranças e sentimentos e uma vontade “danada” em “dar um jeitinho” para ajudar o condômino em questão, mas não pude, é claro: cumpro minha função com integridade na integralidade, mas… peço um espacinho para quase desabafar sobre este caso que discorro agora.

Foi em um condomínio no bairro das Perdizes, em São Paulo, onde sou Síndica Profissional.

Em 2020, um senhor, condômino que sempre muito me lembrou meu pai e que provavelmente deveria ter perto da idade dele quando eu me despedi da sua vida terrena, realizou a instalação de uma antena externa de rádio amadorismo, no terraço do prédio, de forma irregular, deixando fios expostos e em local proibido.

Ok, ele estava errado, aliás erradíssimo, mas pasmem a outra coincidência: meu pai foi rádio amador por mais de 30 (trinta) anos, era sua paixão e ele viajou o mundo pelo rádio amadorismo, então aquele senhor, condômino, que só queria poder se comunicar com o mundo de rádio-amadorismo ao qual ele pertence, isolado naquele início de pandemia, me tocou de alguma forma trazendo à tona as lembranças do meu melhor amigo: até hoje lembro do meu pai colocando as antenas de rádio-amador no telhado do nosso imóvel na Avenida Angélica em São Paulo, o que deveria também já ser proibido na época, mas não lembro dele ter recebido nenhuma advertência por isso por anos em que ele se utilizou daquele espaço (risos). Confesso: isso mexeu com minhas boas e saudosas lembranças e até bateu uma certa vontade de deixar para lá essa conduta do condômino para que pudesse curtir seus dias de isolamento fazendo algo que pouquíssimas pessoas hoje em dia fazem ou conhecem: o rádio-amadorismo.

Mas claro, foi apenas um rompante, um pensamento eivado de sentimentos e saudades, porque tal conduta feriu diretamente o disposto no Regulamento Interno daquele condomínio, que dizia:

“Art. 19. […]

Caput – Não poderão ser colocados vasos, antenas, enfeites, roupas molhadas ou quaisquer outros objetos sobre as paredes externas do prédio, sacadas, ou janelas, que possam causar dano visual ou risco à integridade física de terceiros, caso caiam.”

“Art.23. […]

Caput – Fica expressamente proibida a colocação, ou instalação, nas paredes externas do prédio, de aparelhos de ar condicionado, exaustores, objetos e equipamentos que possam prejudicar a iluminação, ventilação ou segurança dos apartamentos vizinhos ou descaracterizar a aparência do prédio, salvo nos locais previamente estabelecidos pela construtora ou determinados em assembleia. “

Inicialmente, gosto de sempre lembrar que os preceitos atinentes à boa vizinhança, cujas regras de comportamento são mais rígidas em condomínios, devido à convivência, a proximidade ou a própria circunstância de viverem os condôminos no mesmo espaço, necessitam ser devidamente observados, em benefício do princípio social de convivência. Claro que as minhas boas lembranças de papai e nem mesmo a vontade de ajudar aquele condômino em poder se comunicar com seu mundo do rádio-amadorismo, não puderam interferir nas minhas corretas ações como gestora, porém às vezes passamos por situações emocionais assim.

No caso em tela, ele infringiu as normas do Regimento Interno do residencial quando instalou o aparelho em local e condições não permitidos, de forma irregular, expondo riscos aos demais moradores e funcionários do prédio e necessitei que o jurídico enviasse uma Orientação de Conduta para o mesmo (confesso que deixei a notificação de advertência para caso ele não recolhesse a antena).

Mesmo o condômino sendo detentor de licença expedida pela ANATEL para operar radioamador e este entendia-se com direito de instalar o sistema irradiante no espaço comum do prédio, .esta licença não se sobrepõe às normas internas do Condomínio que torna soberana as disposições da Convenção e da Assembleia.

Imagine se cada condômino resolvesse instalar uma antena ao seu bel prazer no telhado do prédio, entrando e saindo da área onde se encontram instalados equipamentos dos demais comunheiros, tais como antena coletiva, antena de rádio amador (como é o caso) entre outros, e além de que, é sabido que um sistema de radiocomunicação amador instalado em área superior do prédio causa interferência nos demais sistemas receptores – sei disso pois, como comentei, meu falecido pai foi por anos um rádio amador conhecido, e eu também tive uma experiência de uns três anos como rádio amadora – e até tomei bronca em uma comunicação da Polícia Civil de São Paulo, quando eu estava de carro dirigindo por São Paulo e falando com o rádio amador em meu antigo fusca e sem querer interferi nas comunicações da polícia na época (por volta de 1992/1993).

De sorte que não havia a menor possibilidade do condômino instalar a antena de radioamador no telhado do prédio, área de uso comum, só cabendo a instalação se fosse autorizado em ata assemblear.

Diante de tudo que expus aqui, foi considerada a conduta infratora, ele foi formalmente orientado e acabou promovendo a retirada da antena e obturou os furos executados.

Mas confesso: apesar de cumprir minha função, me senti um pouco frustrada naquele momento e até sugeri à ele conversar com o Corpo Diretivo e em uma assembleia específica discutir o caso dele para levar à votação, para decisão assemblear, mas caso a maioria votasse pela não colocação da antena, a decisão da Assembleia prevaleceria, não podendo o condômino, em afronta à esta decisão, utilizar área comum do Condomínio.

Pois é, síndicos também são sentimentais! Mas nunca poderemos reclamar de monotonia!

E vocês, já passaram por casos semelhantes?

Por:

Amanda Accioli

Síndica Profissional, Advogada Consultiva Condominial, Membro da Comissão De Direito Condominial de SP, Membro da Comissão de Direito Urbanístico e de Vizinhança da OAB/SP Subseção de Pinheiros -SP, Diretora Nacional da Sindicatura da ANACON – Associação Nacional dos Advogados Condominialistas.

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