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As despesas extraordinárias que deveriam ser ordinárias

Elas são oficialmente classificadas como despesas extraordinárias. Mas trazem no seu DNA todas as características de despesas ordinárias. A própria lei diz isso. Mas depois se contradiz. E agora?

Desde que ingressei no mundo dos condomínios, comecei a me aproximar de várias questões que eram totalmente novas para mim. A maior parte faz perfeito sentido, e aceitá-las é bem fácil. Já algumas outras, nem tanto.

Ultimamente tenho ministrado muitos cursos sobre previsão orçamentária, e alguns desses itens que não fazem muito sentido para mim me incomodam cada vez mais. E eles têm a ver justamente com a classificação de algumas despesas como ordinárias ou extraordinárias.

Como sabemos, as despesas ordinárias referem-se aos gastos do dia a dia que manterão o condomínio funcionando adequadamente em todos os aspectos, como limpeza, segurança, manutenção etc. e também para restaurar o patrimônio ao seu estado original em caso de danos (reparos, consertos), sem, contudo, acrescentar valor ao patrimônio. O objetivo aqui é tão somente reverter a depreciação patrimonial gerada por desgaste natural ou danos acidentais. Essas despesas são custeadas pelas receitas ordinárias, e os responsáveis pelo pagamento são aqueles que se beneficiam deles, conforme disposto no art. 1.340 do Código Civil:

Art. 1.340: “As despesas relativas a partes comuns de uso exclusivo de um condômino, ou de alguns deles, incumbem a quem delas se serve.”

Já as despesas extraordinárias referem-se a gastos que irão incrementar o patrimônio através de aumento de área, aquisição de novos equipamentos, remodelação arquitetônica (retrofit) ou quaisquer outras benfeitorias que acrescentem algo novo e elevem o valor patrimonial do condomínio em relação ao seu estado original, verificado no momento da entrega do imóvel. Essas despesas extraordinárias são custeadas por taxas ou cotas extraordinárias, que devem ser pagas exclusivamente pelos condôminos, ou seja, os proprietários dos imóveis, visto que incrementam o valor de seus patrimônios pessoais.

O Código Civil não descreve com clareza o que são despesas ordinárias e extraordinárias, porém a Lei 8.245 preenche essa lacuna nos seus artigos 22 e 23:

“Art. 22: O locador é obrigado a:

(…)

Inciso X: Pagar as despesas extraordinárias do condomínio;

(…)

Parágrafo único: Por despesas extraordinárias do condomínio se entendem aquelas que não se refiram aos gastos rotineiros de manutenção do edifício, especialmente:

a) obras de reformas ou acréscimos que interessem à estrutura integral do imóvel;

b) pintura das fachadas, empenas, poços de aeração e iluminação, bem como das esquadrias externas;

c) obras destinadas a repor as condições de habitabilidade do edifício;

d) indenizações trabalhistas e previdenciárias pela dispensa de empregados, ocorridas em data anterior ao início da locação;

e) instalação de equipamento de segurança e de incêndio, de telefonia, de intercomunicação, de esporte e de lazer;

f) despesas de decoração e paisagismo nas partes de uso comum;

g) constituição de fundo de reserva.”

“Art. 23: O locatário é obrigado a:

(…)

Inciso XII: pagar as despesas ordinárias de condomínio.

1º Por despesas ordinárias de condomínio se entendem as necessárias à administração respectiva, especialmente:

a) salários, encargos trabalhistas, contribuições previdenciárias e sociais dos empregados do condomínio;

b) consumo de água e esgoto, gás, luz e força das áreas de uso comum;

c) limpeza, conservação e pintura das instalações e dependências de uso comum;

d) manutenção e conservação das instalações e equipamentos hidráulicos, elétricos, mecânicos e de segurança, de uso comum;

e) manutenção e conservação das instalações e equipamentos de uso comum destinados à prática de esportes e lazer;

f) manutenção e conservação de elevadores, porteiro eletrônico e antenas coletivas;

g) pequenos reparos nas dependências e instalações elétricas e hidráulicas de uso comum;

h) rateios de saldo devedor, salvo se referentes a período anterior ao início da locação;

i) reposição do fundo de reserva, total ou parcialmente utilizado no custeio ou complementação das despesas referidas nas alíneas anteriores, salvo se referentes a período anterior ao início da locação.”

É justamente aqui que começa a zona nebulosa. Vejam o aparente conflito entre estes trechos:

Despesas extraordinárias

(gastos não rotineiros de manutenção do condomínio, que agregam valor ao patrimônio)

Lei 8.245/91, art. 22: inciso X

Despesas ordinárias

(gastos rotineiros de manutenção do condomínio, que buscam mantê-lo em perfeitas condições de funcionamento)

Lei 8.245/91, art. 23: inciso XII

b) pintura das fachadas, empenas, poços de aeração e iluminação, bem como das esquadrias externas; c) limpeza, conservação e pintura das instalações e dependências de uso comum;

c) obras destinadas a repor as condições de habitabilidade do edifício; d) manutenção e conservação das instalações e equipamentos hidráulicos, elétricos, mecânicos e de segurança, de uso comum;

e) manutenção e conservação das instalações e equipamentos de uso comum destinados à prática de esportes e lazer;

f) manutenção e conservação de elevadores, porteiro eletrônico e antenas coletivas;

É bem verdade que existe uma distinção sutil entre fachada e áreas comuns:

Fachada é toda a área externa do prédio, ou seja, os itens que compõem o aspecto visual do condomínio, incluindo paredes externas com ou sem janelas, sacadas, esquadrias, portas e portões de entrada e saída do condomínio.

As áreas comuns são os espaços internos do condomínio que são usados por todos os moradores, sem restrições. São exemplos os corredores, o salão de festas, hall de entrada, garagens, portarias, recepção, elevadores, escadas, academia, sauna e bicicletário.

Porém, apesar dessas distinções, a fachada do prédio é algo cuja responsabilidade pela manutenção recai exclusivamente sob a administração do condomínio, e está sujeita à regulação do mesmo (cor, textura etc.) via Convenção ou Regulamento Interno estando, portanto, totalmente fora do controle do condômino.

Dito isso, pergunto:

Se a manutenção de fachadas e esquadrias (inclusive pintura) são atribuições exclusivas do condomínio;

Se a sua manutenção regular é não apenas necessária como também prevista e recomendada (vide NBR 5674) para a garantia da adequada preservação do patrimônio e das condições de segurança do imóvel;

Se essa manutenção visa meramente restabelecer a fachada à sua condição original (é diferente de reforma!) contra os efeitos da degradação do tempo e do uso, sem com isso alterar suas características originais;

Então, em que aspecto isso se encaixa na redação “Por despesas extraordinárias do condomínio se entendem aquelas que não se refiram aos gastos rotineiros de manutenção do edifício” dada pela Lei 8.245/91, art. 22?

Pergunto também:

Se “repor as condições” significa, necessariamente, restaurar às condições originais;

Se a manutenção e conservação das instalações e equipamentos hidráulicos, elétricos, mecânicos e de segurança, equipamentos de uso comum destinados à prática de esportes, elevadores, porteiro eletrônico e antenas coletivas e outros de uso comum compõem um conjunto essencial de gastos rotineiros de manutenção do condomínio, que buscam mantê-lo em perfeitas condições de funcionamento, salubridade e segurança;

E se o Código Civil especifica no seu art. 1.340 que “As despesas relativas a partes comuns de uso exclusivo de um condômino, ou de alguns deles, incumbem a quem delas se serve.”

Então por que isso está incluso na redação “obras destinadas a repor as condições de habitabilidade do edifício;” dada pela Lei 8.245/91, art. 22?

Não pretendo com esses questionamentos desafiar a lei, e sim trazer luz ao tema para discuti-la, objetivando aprimorá-la.

Uma outra questão que sempre busco trazer à discussão nas minhas aulas é a da forma de custeio de algumas dessas providências. Lavagem ou pintura de fachada, por exemplo, é algo bem caro. Felizmente a recomendação da norma é que elas sejam feitas a cada 3 a 5 anos, a depender da realidade de cada edificação. Se esse período for de 5 anos, por exemplo, é bem comum ver a administração dos condomínios passar 4 anos sem se preparar para essa despesa e, no quinto ano, instituir uma taxa extra pesada para esse fim, comprometendo uma parte da renda dos condôminos sem planejamento prévio, e que pode trazer grande impacto nos seus orçamentos familiares. Ou ainda: contrair um empréstimo para poder diluir essa despesa de forma mais “palatável” para os condôminos, mas agregando um custo financeiro ao valor que já era bem alto.

Creio que este é um fenômeno gerado pela cultura dominante de fazer uma previsão orçamentária olhando apenas para o ano vigente, esquecendo os projetos que têm duração mais ampla. Minha sugestão: se você já sabe que daqui a 5 anos precisará desembolsar um valor de, digamos, R$ 200.000, e que não dispõe desse montante em caixa ou no fundo de reserva, o melhor a fazer é provisionar 1/60 todos os meses (R$ 3.333) e incluí-lo nas previsões orçamentárias de todos os anos para, desta forma, a cada 5 anos, ter disponível exatamente o que precisa para fazer frente a essa despesa quando o momento dessa manutenção chegar.

E se você acatar a minha sugestão, voltamos ao início deste artigo: para quem você vai entregar essa conta mensal? Proprietário ou inquilino?

Deixo a resposta para você discutir na sua assembleia, devidamente assessorada pelo jurídico do seu condomínio.

Por:

Sérgio Gouveia – Administrador de empresas, MBA em finanças, Certificado em Gestão e Estratégia pela Fundação Dom Cabral. Professor formado pela Universidade de Cambridge e treinador de professores certificado pela International House, ex-diretor de empresas, empreendedor e síndico morador há 9 anos. Influenciador no Instagram no perfil @derepentesindico , Sérgio Gouveia busca traduzir o complexo em algo simples que todo síndico possa entender e utilizar na sua gestão.

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